Assisti, no início do mês, a um filme chamado Cisne Negro (2010 – Black Swan – Darren Aronofsky), que apresenta a história da bailarina Nina, prestes a estrear em “O Lago dos Cisnes” de Tchaikovsky, num papel de contrastes entre a inocência e graça do Cisne Branco e a malícia e sensualidade do Cisne Negro.
Os caminhos e a forma do dizer são diversos e muito particulares de cada veiculação da arte, seja ela a música, a dança, teatro, a pintura, escultura ou qualquer outra manifestação. As vertentes da arte que se mantêm como refúgio e abrigo contra o que não é tão mutável são as que mais me aprazem. E entre essas não há uma que me atraia mais do que atrela o equilíbrio ao desequilíbrio, em que são são perceptíveis a briga constante dos artistas entre a realidade e a realização das obras, o contraste entre a vida e a busca da perfeição. Esse caminho em busca da arte final já traz, naturalmente, uma pitada de tristeza, de angústia. Fazem, portanto, parte desse todo.
Faz algum tempo que penso nisso.. a arte, em suas diversas formas, exige muito do artista. Não que seja condição sine qua non haver sofrimento. Acredito que seja a percepção da distância entre realidade e ficção um dos grandes motivadores dessa tristeza natural, dessa melancolia.
A sensibilidade dos artistas sempre foi percebida pela sociedade. Nem sempre devidamente valorizada, mas sempre presente. Não é fácil, portanto, mostrar-se em seu estado mais frágil ao trabalhar a arte. Somos treinados pra esconder nossos pontos fracos, nos mostrar eternamente fortes. A sugestão de emoção, dor, prazer e lágrimas como libertação não é comum. O sentimento é constantemente subjugado pelo restante, a sensibilidade é praticamente inexistente. Tanto o bom quanto o ruim passaram a ser parte insignificante de um massivo bloco sem sentido que muitas vezes é nossa vida.
Não acredito que essa seja a melhor representação da arte. A verdadeira arte exige percepção das próprias fraquezas e entrega. Necessário ser visceral e se despir em frente ao mundo. É se permitir ter defeitos, mostrar a imperfeição. Acredito que a verdadeira beleza não está na constância da perfeição. Não seria possível suportar tamanha intensidade de sentimentos à todo momento. O estar à flor da pele é exaustivo, um estado que exige sacrifícios. O oscilar traz mais momentos onde a graça de cada movimento pode ser percebida, ser sentida com mais contrastes e, claro, intensidade! Só existe felicidade porque há a tristeza, a noite porque há dia, a vida e morte. Dual, complementar.
É de se pensar esse desequilíbrio. Existe valor nessa angústia, nessa tanta entrega, tão ingrata e exigente, devastadora e que consome quantidades maiores e maiores de alma pura? Quem pode, no balanço desse vai-e-vem, dizer se coisa alguma valer a pena? Somente o artista pode sentir o quanto pode se doar, quão longe pode ir.. a arte pode falar ainda mais alto de modo que essa escolha saindo de controle. Ai de nós.
A grandeza e a beleza desse jogo de contrastes serão compreendidos por uns poucos. Muitos serão os que não poderão julgar olhando toda a cena por fora, tentando compreender um mundo ao qual eles não pertencem, alegando falsidade e até loucura. Não existe, a meu ver, coisa mais bela que isso. A existência da causa que te faça diferente, desesperado e em busca da internalização de um mundo diferente, contrastante aos valores distorcidos apresentados pelos braços estendidos de nossa sociedade insaciável.
Vejo nessa entrega uma aventura poética. Coragem é necessária pra ir contra a correnteza, romper as amarras e seguir um caminho solitário, encontrar nessa solidão temporária o porto seguro e o caminho pra continuar. Não são coisas fáceis, de maneira alguma.. fazer isso com a consciência de que existe motivação suficiente é, a meu ver, uma expressão de nobreza e grandeza sem tamanho.
Belas palavras finais do filme: “foi perfeito”. Uma perfeição pessoal, até visível aos outros, mas cuja beleza não pode ser comparada ao significado oculto percebido somente pelo artista.
O gritar pelo silenciar. A ansiedade pela calma final. O suportar a dor pelo êxtase da Arte.
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Gustavo C Fernandes
12 a 27 de Março de 2011
Inspirado no filme “Cisne Negro”, de Darren Aronofsky
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